Se fosse ‘conservador’ seria diferente. Não diria o que diz.
Mas se chama ‘Conservatória’ o lugarzinho do Rio de Janeiro, conhecido por ser a capital da serenata, a música cantada sob o sereno. Fica a 142 km da capital. Tem apenas quatro mil moradores. Está localizada em um vale na Serra do Rio Bonito.
Dizem que há marasmo nos dias de semana. Mas já ao cair da tarde os seresteiros vão surgindo de todas as portinholas e a música invade o lugar, invadido também por turistas aos sábados, domingos e em dias de comemorações especiais.
A cidade também promove as Solaratas, eventos do gênero sob a luz do sol e as serestas, em espaços fechados.
A história do lugar envolve a bonança do ciclo do café. Eram mais de cem fazendas cafeeiras, o que incluía também o trabalho escravo. Era importante na produção e escoamento do produto e, para este fim, era cortada por um romântico caminho ferroviário.
Além de carregar os grãos, a Maria Fumaça tinha vagão de passageiros. Hoje não passa de uma lembrança, exposta já na entrada do distrito.
A antiga Santo Antônio do Rio Bonito era refúgio dos índios Araris. Na verdade, era conservatório deles. Era por ali que se recolhiam para se livrar das pestes que dizimavam aldeias inteiras. O que terminou por dar a denominação que ficou: Conservatória.
A ligação com as canções teria vindo por intermédio do violonista Andreas Schmidt que, decidido a cortar o silêncio do lugar, aproveitou a noite clara, de lua, para sair vagando e tocando, atraindo companhia. E criando a tradição que até hoje permanece e justifica que a cidade possua o Museu da Seresta.
Desde que descobri que havia um lugar assim no mundo, alimento o desejo de conhecê-lo. Enquanto isso não acontece, vou recobrando lembranças que dizem da minha ligação com as serenatas.
Elas levam ao meu irmão Raniere. Romântico por natureza, costumava agradar as pretendentes com a oferta de uma serenata. Ele mesmo não tocava quase nada. E cantava menos ainda.
A missão ficava para seus amigos músicos, acordados no meio da noite sob a justificativa inadiável de um novo amor. Seguiam juntos pela cidade enchendo o silêncio da madrugada de belas exemplares da Música Popular Brasileira.
Raniere chegava a fazer maratonas de serenatas e solaratas. Já passou umas 72 horas circulando de casa em casa para dar música de presente. Dessa vez, não só as paixões, mas amigos, amigas, mães e pais de paixões eram escolhidos. Cheguei a acompanhá-lo numa dessas. Inesquecível.
Nem sempre a missão corria em tranquilidade. Havia relatos de fugas de cachorros ferozes, baldes de água jogados por pais cuidadosos de suas jovens filhas e, até mesmo a tentativa de se conseguir um caminhão dos Bombeiros ou da empresa de energia elétrica para se chegar à janela de uma moça mais moderna, moradora de um dos únicos prédios da cidade naquele tempo.
Também costumávamos presentear mamãe ou mamãe e papai com serenatas. Uma empresa de café da manhã passou a oferecer o serviço, que se tornou sucesso.
Mamãe chegou a ser agraciada por um pool de filhos e amigos que aproveitou que ela passaria o aniversário em São Paulo e contratou o famoso grupo Trovadores Urbanos para iluminar o seu dia.
Eu nunca recebi uma serenata. E me ressinto disso até hoje.
Bom, de presente de formatura, lá pelos idos 2000, Vitória e Cassandra resolveram que eu era merecedora. Encomendaram uma serenata para mim e escolheram cuidadosamente o repertório.
Mas logo nesse dia não dormi em casa.
Nunca me perdoarei dessa ausência.
"La serenata" // Artesanía Popular Mexicana | by ArmandoH2O