Chico Buarque anunciou, em canção, que mandou subir o piano pra Mangueira.
Mariana, em postagem no Facebook, anunciou que alguém, a Raquel, mandara subir o piano para Perdizes.
A Expresso Sapucaia foi a encarregada do transporte.
Não é todo dia que se tem uma encomenda assim.
Piano não é coisa de se carregar. Há de haver outra palavra para tratar sobre o deslocamento do instrumento de um ponto a outro desta terra. Isso o povo da Sapucaia sabia. E se não encontrou a real acepção, nem por isso o tratou com desdém ou com menos cuidado do que merecia, sendo o que era.
As letras douradas anunciavam: Essenfelder. O nome, apesar da origem alemã, designa um produto nacional, de muito boa qualidade. Dizem que o melhor já fabricado em terras brasileiras, mais precisamente em terras paranaenses. O Essenfelder nascera em Curitiba.
A empresa, segundo narram, prosperou por muito tempo no país, passou por várias fases e por várias gerações da família de Florian Essenfelder que, ao chegar ao Brasil, fugido de medo da guerra, passou de técnico da Bechstein, considerado um dos melhores pianos do mundo, em Berlim, para fabricar ele mesmo, os instrumentos que carregavam seu nome e seu saber.
Encontrou aqui a fartura de madeiras que precisava, pinus, para a caixa de ressonância. Para o corpo, madeiras nobres como imbuia, mogno e cerejeira.
Tanto apuro deu ao instrumento de corda percutida, uma sonoridade descrita como aveludada. Dizem também que possui mecânica de ação rápida, caixa acústica muito bem projetada, timbre volumoso e cristalino.
O prédio da administração da fábrica deu identidade à Avenida João Gualberto. Já os galpões para as madeiras, marcou a rua Campo Sales. Ambos deram à cidade notoriedade e um rol de profissionais ligados à arte do piano, tais como afinadores e técnicos. Muitos outros, incluindo estrangeiros, vinham por aqui dar cursos aos funcionários do local.
Outros comércios eram fomentados, como o de métodos e de partituras. As escolas se proliferavam com a oportunidade única dos alunos adquirirem um bom instrumento, no quintal de casa, a um preço justo.
Para comemorar o centenário, a Essenfelder organizou um concerto com 100 de seus pianos tocando ao mesmo tempo, em 1990.
Não bastou tanto prestígio. Não foi suficiente ser uma centenária nascida em 1890. Em 1996, a Essenfelder foi fechada. Contam que, por causa da abertura do mercado nacional, instrumentos de outras paragens chegaram por aqui com preços mais baixos. Covardia.
O declínio não conseguiu ser barrado. A família não tinha mais interesse. E nem se rendeu aos apelos de quem se propôs a tocar o projeto adiante.
Hoje os exemplares são disputados. Podem ser encontrados em lojas virtuais, mas não por menos de alguns milhares de Reais.
O de Raquel, já havia sido da família dela, que se reunia em torno dele para convescotes felizes e animados. Principalmente os das noites de Natal.
O de Mariana, que acabara de ser de Raquel, veio cheio de partituras. Para deleite da aniversariante que, ao não caber em si, anunciou aos quatro cantos: Não aguento de tanta alegria e preciso contar para vocês – ganhei um piano.
Junto com ele muita história. De família. Quem vai escrevê-la e contá-la a partir de agora são os Dantas.