Todo mundo tem ou quer ter uma música para chamar de sua.
É incrível o poder de identificação que elas têm.
Ficam aí, nos fazendo trazendo de volta a nossa própria vida e um leque de sentimentos e lembranças.
Os próprios compositores não escapam da armadilha. Falam por milhões. E também são chamados a ouvir o que queriam dizer pela boca de outras gentes. Milton Nascimento já confessou isso. “Certas canções que ouço cabem tão dentro de mim, que perguntar carece, como não fui eu que fiz” (Certas Canções).
Nesse rol, há clássicos. Letras em que todo mundo tem em que se ancorar, tem uma ponte, uma conexão para fazer. Destacaria Naquela Mesa, de Sérgio Bittencourt . A imagem que ela traz é universal. Todo mundo já sentou-se à mesa ou já viu sentado alguém que um dia estará faltando e essa falta vai fazer doer.
Pode ser na roda de samba mais animada. Mesmo que todos estejam felizes e sambantes, tocou essa, os olhares vão se perder e se encher de água depois que a memória troca a euforia do presente por uma dor do passado.
“O que é, o que é”, é outra.
Mesmo se a pessoa não tiver uma grande dor, vai achar que tem. Em meio à reflexão e mesmo à mensagem de otimismo e esperança que Gonzaguinha traz, o coração aperta, as lágrimas ameaçam chegar.
Há músicas que batem naquela hora, sem precisar de conhecimento prévio. As pessoas são pegas desprevenidas, ouvindo, como quem não quer nada, a programação de celular, rádio ou tevê e, pimba, a letra bate.
Do outro lado, alguém fulminada por uma lança afiada em forma de música.
No grupo do colecionador de vinis a experiência é institucionalizada. Não é segredo. Nem envolta em dúvidas. Todo mundo assumiu que a música tem essa magia.
Nos dias de encontro o desafio é lançado.
O primeiro a chorar paga a conta do bar.
É claro que a competição faz brotar a maldade e o desejo de vitória de cada um.
Eles chegam com um repertório escolhido a dedo. Investigam a vida dos colegas. Querem pegar uma falta, uma lacuna, um deslize, uma fraqueza.
Sabem quem morreu, quem foi traído, quem foi deixado, quem foi trocado, quem está doente, quem é mal amado.
Mas a coisa tem suas sutilezas.
Se for muito explícito, não faz efeito.
Se quem acabou um relacionamento ouvir de primeira Risque, isso não terá impacto. A choradeira não vem.
É preciso todo um caminho para chegar às lágrimas ao ouvir uma música.
E o povo é duro. Conhece tudo. Faz um processo de endurecimento de coração antes de sair de casa.
Julga-se alheio às emoções.
No entanto, é tudo muito frágil. Falível. Talvez a ingestão de uma bebida alcoólica de leve ajude a amolecer a audição afetiva.
O colecionador não duvidava.
Para sagrar-se campeão da peleja e ver sua conta paga por outro, ele se dedicou a criar uma técnica, um manual de procedimentos, uma gradação – uma psicologia da música para fazer chorar.
E, contraditoriamente, ele sentencia: Primeiro, é preciso rir. Descontrair-se. Esquecer das agruras, deixar o corpo leve.
Cumprida a primeira etapa, vem uma sequência de músicas contundentes que abordem o problema de cada um.
Aí, não tem jeito.
As águas rolam. E além da conta a pagar, resta constrangimento.
Como bem diz Gilberto Gil, “Chororô, chororô, chororô, é muita água, é magoa, é jeito bobo de chorar. Chororô, chororô, chororô, é mágoa, é muita água, a gente pode se afogar”.