Naqueles tempos, naquelas bandas, quem tinha rádio era rei.
A vizinhança toda se juntava na beirada da janela – para apurar o ouvido junto às ondas que traziam vozes tão diferentes e notícias de um mundo muito mais sofisticado e cheio de acontecências do que podia se passar por cima daquela terra poeirenta deles.
A vizinhança era bem espevitada e um pouco sem noção. Entrava mesmo dentro da casa. Botinas sujas. Roupa cheirando a fogão de lenha e suja de borralho. Guri remelento com nariz escorrendo. Mulher de bucho pela boca, prestes a parir o sétimo filho.
Uma lapada da cachaça feita no engenho do compadre circulava de mão em mão. E as próximas palavras a serem ditas vinham acompanhadas por um bafo quente e fedido, mistura de dente não escovado e álcool.
Vez em quando surgia um bolo quente, uma tapioca ou coisa que o valha. E cada naco que vinha na boca, era cercado de silêncio. Ali se mastigava devagar e sem fazer barulho.
O menino, miúdo de tudo, se espremia entre pernas de calças e pernas nuas. Seu campo de visão quase não chegava aos rostos da pequena multidão. Mas do joelho para baixo, sabia tudo o que acontecia.
Ficava tão ansioso quanto os grandes para ouvir as novidades do jornal, dançar as músicas de dor de cotovelo e sonhar com um final feliz para as mocinhas das radionovelas.
Mas nem bem vinha começando a próxima atração, o seu pai, velho ranzinza de hábitos duros, girava os dedos grossos e disformes, resultado da lida na roça, nos botões do pequeno aparelho e trazia o silêncio para dentro de casa.
A desolação era geral. Mas ninguém ousava reclamar. Ou fazer alguma negociata que resultasse em mais um tempinho de audição.
Cada um ia para o seu lado. Cabisbaixo. Mas conformado. Alguns comentando o que ouviram. Outros com o olhar perdido em novos sonhos. Para outros, a coisa era mais objetiva. Acabou, acabou. Amanhã a gente volta.
Para o menino, era afronta.
Deixe estar. Um dia teria dinheiro para ter um rádio só dele. Seria muito mais bonito e sofisticado. Não ia nem precisar de pilhas. E nem teria aquela cor cinza, sem graça.
Toda noite a vontade aumentava.
Não entendia o desmando paterno. Então, só ele podia escolher a programação. Só ele tinha o poder de dizer a hora de começar e de parar. Só ele fazia a conexão daquele povoado com o resto do mundo.
Deixe estar.
O menino cresceu. E não esqueceu a jura. Com o primeiro dinheiro, comprou um radinho só seu. Era pouco para matar aquela raiva, para cumprir aquela promessa, para fazer uma desforra bem feita, como o caso merecia.
Comprou outro e mais outro.
Virou colecionador.
Tem tantos rádios, de tantos modelos, cores, tipos, funcionalidades e nacionalidades diferentes, que poderia alimentar um sertão inteiro de novidades de outras gentes.
Mas o sertão não precisa mais disso. E nem ele.