Em aviões lotados gosto de pensar no motivo da viagem de cada um.
Naquela noite, no meu caso, o que mais animava era pensar na possibilidade de dormir no avião. Embora meu real motivo fosse cumprir uma agenda de trabalho.
Comumente, enquanto a aeronave vai taxiando eu sou tomada por um desfalecimento tal, que costumo só voltar a abrir os olhos na cidade de destino.
Esperava por aquilo. Dormir. Sem culpa. Sem tardar. Duas horas e meia de dedicação exclusiva ao sono.
Quando fui atendida no check in já tinha assento marcado. Mas não era na janela. Meu lugar de preferência agora é o corredor. Mas eu precisava de uma janela. Não para abri-la e apreciar a paisagem.
Eu queria mesmo me encostar nela, me cobrir com meus panos, fechar os olhos e, se desse sorte, até sonhar.
Falei sobre isso para a moça que me atendeu e ela, solícita, fez de conta que ia me ajudar a encontrar o lugar ideal.
Explicou que já não havia muitos possibilidades e... pronto. Aqui. Janela. Na dez. Está bom para você?
- É muito na frente?
- Não. É na dez.
- Está ótimo. Obrigada.
Daquele momento até entrar no avião, tudo em que eu pensava era na janela. Era em me recostar nela.
Por isso, mal pus os pés no assoalho procurei a fileira dez.
Não acreditei no que vi.
A fileira dez era antes ou vizinha à saída de emergência. Não tinha três poltronas, como de costume. Mas duas. A terceira era um vácuo que a separava justamente do que eu mais ansiava – a parede do avião.
- E não reclina. Disse a aeromoça para completar minha decepção.
Foi inevitável não pensar – com raiva – na atendente que me indicou aquele lugar tão desfavorável.
Fez de má-fé. Não é possível. E eu? Por que não acreditei na intuição? Aquelas cadeiras duplas destoavam das triplas na tela do computador. Eu poderia ter lembrado a razão. Eu poderia ter questionado.
Um corredor ou um meio seria mil vezes melhor do que aquele lugar tão dissonante. Parecia o Patinho Feio no meio dos seus irmãos.
Eu só queria dormir. Eu só queria um lugar para encostar a cabeça. Eu não entendia a negação da vida para um tão ínfimo desejo.
A aeromoça entendeu meu drama. Prometeu tentar uma janela. E conseguiu. Estava bem na fileira da frente. Eu poderia trocar se não fosse ocupada em breve. Mas o casal que estava lá não parava de falar.
Era melhor ficar ao lado daquele moço silencioso mesmo, pensei.
Era melhor não me movimentar. Era melhor aceitar.
Eu fiquei pensando naquela situação nas duas horas e meia em que quis dormir com a cabeça reclinada.
Fiquei sem posição. Com frio – mais uma vez os agasalhos não foram suficientes para uma viagem noturna (também me ressenti por ter deixado isso acontecer). Fiquei esmagada pelo reclinar da poltrona da frente.
E eu só queria dormir.