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EU SOU VOCÊ AMANHÃ

  • Waleska Barbosa
  • 24 de mar. de 2017
  • 3 min de leitura

Não sei quando descobri. Mas sei que não tenho muito poder de abstração. Muitas

coisas são impenetráveis para mim. Meu filtro do mundo são meus olhos. O que vejo é

que me faz capaz de sentir, de entender, de escrever.

Sou superficial. Ou seletiva. Ou não me importo. Poucas coisas compõem meu

mundo. E eu as respeito. Não sou boa interlocutora. Não tenho respostas prontas,

boas sacadas, jogos de palavras.

Sendo assim, nunca cheguei a compreender o conceito do brincar. Mas o trato como

se o conhecesse a fundo. Acredito nisso e, como dá, tento fazer disso mais do que

teoria, prática.

Um deles afirma que “através do brincar a meninada” aprende, experimenta o mundo,

possibilidades, relações sociais, elabora sua autonomia de ação, organiza emoções.

Tenho uma filha de seis anos. Sobre isso podia falar muito. E aos poucos falarei. Mas

quero me ater agora ao fato de priorizar a brincadeira no universo dela. E preparar o

terreno para que ela faça o mesmo. Restrinjo o acesso a eletrônicos, me incomodo

quando passa mais tempo do que acho necessário na televisão .

Mas ela é filha única. E eu sou mãe única. E moramos unicamente com nós mesmas.

E me resta, além dos papeis todos e de lidas diárias inimagináveis, ser criança, ser

sua amiga (com a mesma idade), ser sua companheira do brincar.

Sempre acho que uma criança real cumpriria melhor essa demanda. Mas nos nossos

modos cotidianos e contemporâneos, achar uma igual para que desfrutem dos seus

universos não é tarefa tão fácil.

Por vezes me canso da missão de voltar à infância. E me nego a ela. E lamento não

ser mais aquela, tão disponível a esse fim.

Mesmo assim, admiro a relação que tenho com a filhota no que tange ao que posso

aprender e até mesmo apreender no brincar com ela. E, nesse processo, ouvi-la.

Hoje, depois de duas jornadas de trabalho e mais tudo, quando esperei que ela

estivesse cansada o bastante para cumprir seu ritual noturno sem grandes

intercorrências, ela parecia com a energia de anteontem. E eu, surpreendentemente,

com o mesmo grau de paciência e de entrega.

Brincamos. Por horas a fio.

E então tive a clareza do que quer dizer o conceito de brincar.

Minha filha repetiu nosso ritual, nossa rotina, desde a hora em que o despertador toca,

às 6h, até a hora em que dorme, normalmente por volta das 21h.

A diferença, ela estava nos postos de liderança. Era a mãe, era a professora. Estava

no comando. Eu, a filha, a aluna, a subordinada.

Ela fez o que eu faço. Comida. Gestos. Palavras. Hábitos. Se arrumou. Se maquiou.

Me deixou nos lugares em que a deixo, a começar pela escola.

E assim pude perceber como ela se sente em todas essas situações. O que a marca.

O que pensa e sente. Além de ter a verbalização desses sentimentos, pude eu mesma

vivênciá-los. Além de me ver refletida. E sentir a força que tem cada coisa com jeito de

banal do dia a dia.

Falei inglês, alemão, brinquei de Seu Rei Mandou ou Simon Says. Fiz tabuada.

Escrevi as primeiras letras em folhas em que eu mesma decorava com bordas para

recebê-las e depois desenhei coisas que começassem com elas.

Tomei café, tomei banho, escovei os dentes. Troquei de roupa. Preparei mochila. Ouvi

reprimendas. E procurei imitá-la em comportamentos mais recorrentes, como acordar

chorando por ter que fazê-lo.

Ouvi história. Contei história. Pus pijama. Fui posta para dormir. E foi precisamente

nessa hora em que fui tomada por um susto. E uma sensação estranha. De ruptura.

Depois de todo um aconchego para preparar meu ritual do sono, minha mãe, na

verdade, minha filha, deu boa noite, beijo, rezou e se despediu.

A porta rangeu. Ela saiu. O quarto escureceu. O coração gelou.

E eu paralisei. Então é dessa partida súbita que ela reclama, quando eu mesma saio

antes que adormeça. O meu objetivo é render um pouco mais. Se eu fico, adormeço

junto.

Mas quando aconteceu comigo, doeu.

Então, isso que é se colocar no lugar do outro. Isso que é pesquisa-ação. Isso que é

empatia. Para todas as afirmações uma interrogação no final.

Não sei o que é não. Mas agradeço a chance de ter cumprido a décima jornada do dia

de forma tão intensa. E, assim, brincando.

 
 
 

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