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NÃO TÔ DANDO CONTA

Mal passava das seis horas da manhã.

Eu tinha aberto o olho um segundo antes.

Peguei o celular para olhar as horas e senti sua vibração indicando a chegada de um recado.

Vi o nome da minha amiga escorregando na tela e, dado o horário, resolvi olhar – podia ser algo importante ou grave.

Mesmo que ainda não totalmente desperta, abri o aplicativo.

A mensagem não continha cumprimentos ou preâmbulo.

Era objetiva e direta:

- Amiga, tal pessoa quer saber quando vai passar a ser um por semana. Ela não tá dando conta.

Depois do dito, nenhuma carinha daquelas, os emotions, indicando brincadeira, ironia, amenizando uma verdade dita, que fosse. Nada.

Não havia subterfúgios. O que estava dito era aquilo mesmo.

Tive que acordar para refletir.

Tive que sentir como aquelas palavras agiram sobre mim. Estava ofendida? Tinha o ego ferido? Sentia raiva?

Iria responder? Qual tom usaria?

Falaria a verdade (que eu ainda não sabia qual) ou douraria a pílula?

O que aquelas palavras queriam me dizer? Era a minha grande questão.

Lembrei de uma entrevista que ouvira ainda no dia anterior, na Internet, enquanto fazia outras coisas e, portanto, sem prestar muita atenção.

A cantora Zélia Duncan dizia mais ou menos que o público devia se apropriar de um papel que é dele, que uma obra não tem sentido se não encontrar, depois de pronta, o outro lado, quem a receba e a transforme segundo seus próprios valores.

Foi quando questionei a veracidade da minha resposta:

- Diga a ela que eu espero que não chegue à periodicidade semanal, se a proposta é diária.

Se acontecer, eu falhei (pensei).

- Diga a ela que não precisa se cobrar em não dar conta de ler. Eu que preciso dar conta de escrever. É um compromisso meu comigo.

A porca torceu o rabo.

Afinal de contas, eu gostaria de ter ou não leitores?

Eu era tão indiferente assim à audiência?

A certeza é de que não podia condicionar isso (a necessidade do outro), que parecia uma obviedade, ao ato de escrever.

Fiquei pensando se era mesmo tão difícil acompanhar o blog – quanto tempo, do tempo que destinamos à Internet e Redes Sociais e ao ócio –, a leitura de um pequeno texto levaria.

Fiquei pensando nas coisas que fazemos diariamente. Desde as imprescindíveis, como respirar, até cada ato rotineiro, sem que essa periodicidade nos fira.

Todo dia acordamos. Todo dia pulamos da cama. Todo dia botamos o pé no chão. Todo dia escolhemos uma roupa. Todo dia entramos no banheiro. Todo dia pegamos uma chave. Todo dia, todo dia. Mais de uma vez por dia.

Por que a minha amiga não questionava toda a vida dela? Não se rebelava contra tudo o que tem que fazer todo dia, nem que seja uma vez por dia?

Por que recaiu para mim o ônus de oferecer às pessoas mais alguma coisa para fazer em uma rotina já tão atribulada?

Virou uma questão psicanalítica. Ela não tá dando conta de não dar conta e quer me culpar por isso.

Ora, não faço pelos outros, faço por mim.

Isso é verdade. Foi uma decisão e tem me ensinado muito. Não é fácil mesmo. Mas é como a malhação para quem decidiu ir para a academia. É compromisso de sangue. Pacto no dedo. É alimento e força motriz.

E não faz sentido.

Como tudo um dia parece não fazer.

Mas eu sigo.

- Massa. Tá dando conta já.

Respondeu minha amiga.

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