Papai tinha alguns adjetivos de estimação.
Eram usados como variação do mesmo tema – se repetiam ao longo dos anos para dar qualidades a cenas que resistiam à passagem do tempo e também se repetiam, de uma forma ou de outra.
Quando nos chamava para ver de Chacretes do Chacrinha a dançarinas do Faustão, passando pelas animadoras do programa Raul Gil, ele invariavelmente dizia: Veja, que expressão corporal.
Referia-se aos rebolados e às coreografias da turma. Podia até ser que se referisse também às roupas diminutas e aos corpos torneados.
Na frente da tevê, atendendo ao chamado, a gente assentia com um hum hum ambíguo – que podia tanto desmascará-lo no que podia ser sua real intenção como mostrar nossa crença de que ele falava apenas do talento que elas tinham para aparecer na tevê.
A gente imaginava que ele embutia ali outras expressões que não caiam bem em homem tão distinto.
Ele também sabia que podia ser isso e ria marotamente no canto da boca.
Era uma sua marca registrada.
O termo virou piada interna no nosso Quilombo dos Barbosa.
Mas havia um outro adjetivo de estimação dele que eu gostava mais. Era usado para se referir à inteligência e sagacidade de alguém, principalmente dos amigos de longa data, gente com quem convivera e de quem tinha os famosos causos para contar.
Essa palavra me causava inveja. Eu queria ser e ter aquilo. Sabia que as pessoas assim denominadas por papai eram especiais. Tinham uma verve afiada, vozes bem impostadas, memória boa, sabiam fazer comédia e suspense apenas pelo uso adequado de pausas e suspiros.
As mãos eram usadas com mestria em gestos que acompanhavam as narrativas por vezes longas.
Eram os intelectuais da cidade. Os homens respeitados que formavam uma confraria para trocar loas.
Podia ser num evento político ou social. No Posto de Enfermagem Manoel Barbosa ou em algum estabelecimento da rua João Pessoa, de propriedade de algum deles.
Bom mesmo era quando acontecia por acaso, no Calçadão da Cardoso Vieira. E ia juntando gente.
Ou na Praça da Bandeira, em frente à Banca do Orlando. Ou nas proximidades do Café Aurora, enquanto um ou outro se recostava na velha cadeira do engraxate para lustrar os sapatos de festa.
Eu gostava daquelas cenas. Ficava encantada com aquele jeito de conversar – divertido, perspicaz e… espirituoso.
Esse era o meu adjetivo de estimação dentre todos os que papai incorporou ao seu vocabulário.
Eu sonhava em ser assim… espirituosa.
Mas alguma coisa me dizia que eu nunca chegaria àquele ponto.
Era questão de ser ou não ser.
Eu não era.
Faltavam-me o repertório, o jogo de palavras, os trocadilhos, a rapidez no pensar. O instinto para a réplica. A tréplica.
Dia desses uma professora me falou da necessidade de treinar – para aprender do zero ou aprimorar algo que se tem.
Aqui, escrevendo, me veio a esperança de treinar muito. Até me tornar uma pessoa espirituosa.