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UM CHÃO SALPICADO DE AMIGOS

Pelas redes sociais passou a compartilhar sua vitória.

Hoje são X dias. No período, deixei de fumar tantos cigarros. Com o dinheiro economizado, comprei um par de tênis. Com ele, vou correr mundo.

Não muito tempo depois, a encontro na rua e peço uma atualização dos números.

Eles surpreendem.

Assim quantificado o ato ou hábito de fumar ganha o status do que realmente é: uma loucura.

Quase animo para entrar nessa contagem às avessas. O meu cálculo atual é em cima do que fiz – comprei, consumi, gastei. Sou fumante ainda.

É um aplicativo.

Mas ela não diz o nome. Deve ser fácil conseguir saber. Mas respeito o segredo por pura indisponibilidade de lidar com outra ruptura. Pelo menos por agora.

Conta que muita gente tem se mobilizado a partir da experiência dela de ex. As pessoas perguntam, se empolgam, juram que chegou a hora e pedem dicas, os bizus.

Ela faz uma consultoria com os pretendentes e prescreve: melhor se certificar de que é isso mesmo o que você quer antes de achar que tomou a decisão.

A mim, com ares de cigana, falou: Você... Você pode fumar ainda uns dois anos.

Respirei aliviada por ter conseguido o álibi (mesmo que ele não tenha validade ou garantia).

Gostei da resposta porque sabia o quão charlatã era a vidente. Não a pessoa. Só a personagem encarnada para tratar de assunto tão grave.

Digo isso a todos os amigos que me perguntam, confessou.

Rimos.

Retomamos o assunto quando mudamos de ambiente.

Era um café descolado. Passou para um boteco da Asa Norte.

Na mesa, fora dos domínios dos toldos ou coberturas (onde pela Lei não é permitido fumar), eu soprava a fumaça torcendo para o vento rumar para o lado oposto da minha amiga, poupando-a de desejos súbitos e possíveis crises de abstinência, já dadas por mortas e enterradas.

A vitória sobre o cigarro é de uma fragilidade ímpar, sabíamos.

Melhor não cutucar a onça com vara curta.

O ideal seria não despertar gatilhos. Mas não nos permitir uma cerveja naquele fim de tarde, já não era caso a ser discutido. Estava consumado. Consumíamos o líquido com uma alegria infantil.

Do reencontro. Da possibilidade. De burlar o agito da vida para uns minutos de contemplação e vadiagem.

Praticamente uma tarde em Itapuã, alimentada por filosofia barata.

É muito bom fumar.

Eu concordava.

O cigarro é um amigão, cara.

Eu dizia que sim com a cabeça.

Olha, aí, um chão salpicado de amigos.

Olhei.

Eram dezenas, centenas de bitucas largadas entre o barro vermelho e os pedregulhos.

Lamentei o tratamento dispensando a quem deveria morar do lado esquerdo do peito.

Sejam feitos de papel (tabaco e mais de 4,7 mil substâncias químicas) ou de carne e osso (são 206), os amigos – e as amizades – são assim como a vitória sobre o cigarro, de uma fragilidade ímpar.

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