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RELÓGIO MACABRO

Atenta às “coincidências”, sempre me pergunto quando um acontecimento marcante em nossas vidas – para o bem e para o mal – começa a ser desenhado.

Para mim, naquele início de manhã, pareceu que todos os passos antes dali foram decisivos. E se eu não tivesse tomado aquele gole a mais de café, lavado a louça que restou de ontem na pia, procurado a calça que vestiria (que estava brincando de se esconder no guarda-roupas)?

E se eu não tivesse esquecido meu cartão do banco na mão de outra pessoa e tê-lo resgatado ainda pela manhã, arriscando me atrasar para o trabalho?

Melhor que tivesse tido ainda outra coisa para trás ou para frente. Porque naquele momento, o relógio fazia um som macabro. Nem sabia o que marcava. Se minutos, segundos ou horas. Se a partir dali não haveria mais tempo.

Tratei de sentar no chão. Para amenizar uma possível queda. Lembrei de todos os acontecimentos recentes. Lembrei de quantos já haviam passado pela mesma coisa.

Como alguém no corredor da morte que tem a chance de se despedir, fiz o obvio. Enquanto minhas mãos e axilas suavam, meu coração palpitava e meus olhos escorriam lágrimas de uma possível despedida, eu peguei o celular e comecei a escrever: estou presa no elevador.

Enquanto isso, o relógio continuava fazendo o som que ficará em meus ouvidos por tempo indeterminado. Era a porta do aparelho que abria e fechava. E nem abria. E nem fechava. A mais importante, a grade de ferro, continuava cerrada, nos deixando penduradas em uma gaiola, sem sequer poder enxergar o que havia lá fora.

Pensei na minha filha. Pensei nas pessoas que já perderam a vida nos elevadores da Esplanada dos Ministérios. Pensei nos homens fardados que vejo diariamente em cada um dos equipamentos, cercados por uma tarja amarela e preta onde se lê: Estamos em serviço.

Pensei que se a gaiola caísse vertiginosamente, sobrariam as histórias de duas mães. Os lamentos. A dor. A saudade. E, quem sabe, uma solução definitiva que cuidasse das centenas de vidas que se arriscam ali, no sobe e desce da rotina.

É... Talvez servisse para alguma coisa. O grito por Santa Luzia depois que a cobra mordesse (minha mãe sempre disse que isso não adiantava). Ou seja, devia haver prevenção. Um trabalho cuidadoso que considerasse o valor de cada um que se desloca por ali.

Recebi uma resposta no celular: Respira fundo, como dizia papai.

Mentaliza que está na praia, comendo caranguejo.

Tentei me acalmar. Como o boi preso na linha de corte do abatedouro. Não havia muito o que fazer. Não rezei. Não gritei. Não chorei mais.

Sentada no carpete empoeirado, me perguntava se não seria melhor deitar. O homem no Rio, quebrou as costelas na queda. Talvez na horizontal o impacto fosse menor.

Elogiei a cor do esmalte nas unhas compridas da colega de trabalho que dividia a cena comigo.

Não ouvíamos nenhuma palavra de apoio. Nenhum socorro parecia vir. Pronto. Estávamos largadas ali.

Abandonadas ao próprio medo e à solidão de um cubículo trancado.

O relógio de repente parou de badalar.

A porta voltou a funcionar. Abriu-se, como deveria, no quinto andar. O nosso.

Cinco minutos tinham se passado, afinal.

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