Por que as emissoras de rádio haviam mudado de programação, não sabia.
Não faziam duas semanas elas só exaltavam o amor, o encontro, a paixão.
As canções pareciam talhadas para descrever o que viviam.
Por isso mesmo eram as emissoras de rádio que embalavam seus momentos caseiros.
Fizessem o que fosse, sempre havia um pouco de atenção voltada àquelas ondas, decifrando aquelas letras e pensando o quão eram feitas para eles.
Por vezes paravam o que estavam fazendo e apontavam com o dedo: Ó.
Não precisavam mais explicações. Entendiam que o que dizia o cantor era o que sentiam um pelo outro. Era o que andavam vivendo.
Por vezes anotavam com papel e lápis, buscados com pressa, aquele trecho, aquele compositor, aquele intérprete. Iriam ouvir de novo, iriam buscar mais informações, outras versões.
Isso se desse tempo. Se lembrassem do apontamento. Porque a ele se sobrepunham outros e outros.
Noite alta, dançavam. Aquele ritmo era perfeito para se abraçarem longa e apertadamente, em passos acertados ou trôpegos. Pé sobre pé. Como tem de ser. Era uma entrega que julgavam única. Não podia haver no mundo quem soubesse envolver o outro assim.
Só tinha de ser com você....
Isso nem parecia ter ficado para trás e as emissoras de rádio haviam mudando de programação.
Eram as mesmas. Certeza. Mas o que tocavam tinha mudado de figura. Tudo estava distorcido.
Alto. Desafinando. Doía nos ouvidos. Doía na alma.
Agora, soavam desamor, paixão desfeita, saudade, traição. Desencontro. Desengano.
Não faziam duas semanas e esse repertório não existia. Parecia que toda separação havia sido banida da face da terra.
Agora, era o sentimento mais entoado.
Era só o que ouvia. Era só para o que tinha olhos.
As canções pareciam talhadas para descrever o que viviam.
Por isso mesmo, eram as emissoras de rádio que embalavam seus momentos caseiros.
Não podia aguentar.
Não podia comparar aquele antes com esse agora.
Não podia ser.
Desliga o aparelho.
Volta, vem viver novamente ao meu lado. Pois meu corpo está acostumado...