Viver é melhor que sonhar.
A frase não saia de sua cabeça.
Sabia que vinha de uma música que tocava vez em quando na emissora local. Mas agora não lembrava intérprete ou compositor.
Não importava. Achava que não fazia sentido.
Desde sempre aprendera a não dissociar vida e sonho.
Achava que um fazia parte e dava sentido ao outro.
Sua vida mesmo era movida por um sonho: passar no vestibular. Curso de pedagogia. Parecia a profissão ideal. Queria compartilhar com as outras pessoas a aptidão que sabia ter: transmitir conhecimento.
Na primeira tentativa, nada.
Desanimou, mas não desistiu.
Enquanto há vida, há esperança.
Agora era esse era seu lema.
Segunda, tentativa.
Seu nome não apareceu afixado nas paredes do cursinho.
As negativas não o irritavam mais. Não jurava vingança. Nem fazia planos de desistir.
Obstinado, tentou por mais cinco vezes. Sete anos ao todo.
Conta de mentiroso.
Não dessa vez. Era verdadeiro seu desejo. Eram reais seus esforços. Eram palpáveis as horas dedicadas a um estudo cada vez mais aprofundado.
Sentia que estava próximo de alcançar o êxito desejado.
Com um 900 na redação, dessa vez parece que daria certo.
A nota abriu um portal em sua mente. Sentia que finalmente cruzaria o portão de ferro daquele campus. Pisaria aquele chão com a força de um gigante, o porte de um rei, a humildade de um aprendiz. O orgulho de um vitorioso.
Respiraria aqueles ares em pé de igualdade com qualquer um. Sua conquista. Pudesse, a estamparia no peito como a estrela de xerife dos filmes de faroeste. ALUNO.
Aqueles três números. Desde que soube deles, não dormia direito. Foi tomado pela ansiedade. As mãos suavam. O coração palpitava. A mente não tinha outro assunto.
Estava certo.
Piscou e esfregou os olhos. Leu de novo. Procurou rememorar se aquele era mesmo seu nome. Conferiu o número da inscrição.
Sem dúvida nenhuma, gritou. E chorou. E saiu correndo para contar a todo mundo. Para espalhar no vento. Passara no vestibular. Iria estudar para professor. A família vibrou junto.
Correu para a sede do cursinho onde ficara enfurnado nos últimos anos. Ali, seus amigos o abraçaram. Comemoram juntos. Aos pulos. Quebrando ovos e jogando farinha branca uns nos outros.
Era sonho realizado.
Viu, que vale a pena sonhar?
No último pulo, tontura. No último grito, silêncio. No último movimento, caiu no chão, desmaiado. Socorrido pela turma incrédula, foi levado ao hospital. Chegou sem vida.
Parada cardiorrespiratória.
No velório não se falava de outra coisa: morreu de alegria. Não aguentou a emoção de realizar o sonho antigo.
Agora nem isso, nem nada.
Viver é melhor que sonhar.
Estava (a)provado.
Sete é mesmo conta de mentiroso?